164 mil crianças e adolescentes foram vítimas de violência sexual no Brasil entre 2021 e 2023

Vítimas mais frequentes foram femininas e negras; dados indicam subnotificação e criticam projetos de lei restritivos ao aborto.

Da Redação
14/08/24 • 09h32

Em 2023, houve uma média de uma ocorrência a cada 8 minutos. (Foto: Freepik)

Entre 2021 e 2023, o Brasil registrou 164.199 casos de violência sexual contra crianças e adolescentes com até 19 anos, conforme revela a segunda edição do relatório “Panorama da Violência Letal e Sexual contra Crianças e Adolescentes no Brasil”.

O estudo, divulgado nesta terça-feira (13) pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), aponta uma tendência preocupante de crescimento desses casos, com 46.863 ocorrências em 2021, 53.906 em 2022 e 63.430 em 2023. Isso equivale a uma ocorrência a cada oito minutos no último ano.

Os números podem ser ainda maiores, considerando a subnotificação e a falta de dados completos de estados como Acre, Bahia e Pernambuco em alguns dos anos analisados. Segundo um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), apenas 8,5% dos eventos são reportados às autoridades policiais, o que indica que a verdadeira escala do problema pode ser muito mais grave.

Perfil das vítimas e contexto social

O relatório traça um perfil das vítimas, destacando que 87,3% são do sexo feminino, com a maioria (48,3%) tendo entre 10 e 14 anos. Além disso, 52,8% das vítimas são identificadas como negras. Em todas as faixas etárias, houve aumento nos casos de estupro, com destaque para um crescimento de 23,5% entre crianças de até 4 anos e 17,3% entre aquelas de 5 a 9 anos.

Meninas de até 19 anos têm sete vezes mais chances de serem vítimas de violência sexual em comparação com meninos da mesma faixa etária. O estudo também mostra que 67% das meninas são violentadas dentro de casa, e em 85,1% dos casos, o autor do crime é alguém conhecido da vítima.

Críticas a propostas legislativas

O relatório critica duramente o Projeto de Lei 1904/2024, que tramita na Câmara dos Deputados e prevê que o aborto realizado acima de 22 semanas de gestação, em qualquer situação, passe a ser considerado homicídio, inclusive no caso de gravidez resultante de estupro. Os analistas alertam que essa medida pode impor a milhares de meninas a “pena de uma gravidez infantil e indesejada”, agravando ainda mais o trauma já sofrido.

O estudo ressalta a falta de discernimento de muitas crianças para reconhecer a violência sexual, o que pode resultar em estupros consecutivos não detectados até que uma gravidez ocorra, destacando a necessidade urgente de políticas públicas mais eficazes para a proteção e apoio às vítimas.